31 de jul. de 2014

Piauí é o estado com maior índice de trabalho infantil do país.

Todos os dias, a rotina da pequena Marcella* de 12 anos começa às 7h. Enquanto a mãe, que prefere não se identificar, prepara o café dos três filhos, a criança é obrigada a lavar as louças que foram deixadas sujas na pia na noite anterior. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística (IBGE), revelam que além de Marcella, outras 42.139.454 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos são vítimas do trabalho infantil no Brasil, jovens que chegam a trabalhar por até 10 horas seguidas. Segundo o estudo, o Piauí é o que apresenta pelo segundo ano consecutivo (2011 e 2012) o maior índice de menores nesta situação. Foram 753.064 mil casos registrados.
Em casa, Marcella fica responsável pela limpeza e por cuidar dos irmãos de 5 e 7. Na ausência da mãe, a menina arruma e leva os dois para a escola. Para muitos, a rotina de Marcella é vista de forma normal, mas para o Procurador do Trabalho Edno Moura, a jornada executada por ela pode ser considerada trabalho infantil, já que a menor não possui horário para brincar, estudar e fazer atividades extraclasses.Criança cuida da limpeza da casa e dos irmãos em Teresina (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
Outro agravante da utilização da mão de obra infanto-juvenil é o trabalho infantil doméstico. Ainda segundo o IBGE, há 96 mil empregadas domésticas no estado, sendo que 10 mil são crianças e adolescentes com idade entre 10 e 17 anos. Ele foi incluído na lista das piores formas de trabalhoinfantil criada pelo decreto 6.481 assinado em junho de 2008.
“Nem todas as atividades se configuram como trabalho infantil, principalmente, nos afazeres domésticos. Contudo, é importante ressaltar que se a criança não tem espaço para brincar ou deixa de fazer alguma atividade no contra turno escolar porque está cansada de uma jornada excessiva de trabalho, esta atividade pode ser considerada trabalho infantil”, esclareceu o procurador do Trabalho, Edno Moura.É o que acontece com muitos adolescentes que trabalham lavando carros na Avenida Maranhão, no Centro de Teresina. No local, os garotos exercem atividades consideradas por lei como perigosa e arriscada porque mantêm contato direto com produtos químicos, além de correr o risco de atropelamentos. O flagrante feito pelo G1 mostra que na tentativa de atrair os clientes, os menores ficam no meio da pista acenando para os motoristas que passam pela avenida.
Jovem chega a trabalhar até 8h de segunda à sexta lavando carros em Teresina (Foto: Catarina Costa/G1)
Um dos lavadores de carros, de 16 anos, contou ter iniciado o trabalho após o pai insistir que ele já estava na idade de ganhar o próprio dinheiro.
“Ele dizia que eu não fazia nada, então falou com um amigo que tem um ponto aqui e há quatro meses comecei no serviço. Ganho R$ 10 por veículo lavado, o que dá uma média de R$ 800 por mês. Parte do dinheiro entrego para os meus pais e o restante compro de roupa e vou para as festas”, disse o jovem que chega a trabalhar até oito horas por dia de segunda à sexta e até 10 horas nos finais de semana.

Segundo o procurador, os adolescentes que trabalham lavando carros na Avenida Maranhão não possuem benefícios sociais e nem carteira assinada, assim como estão fora das normas estabelecidas pela lei do menor aprendiz.
Crianças flagradas em posto de lavagem de Paulistana (Foto: Divulgação/MPT)
Registros pelo interior do estado
O registro de trabalho infantil não fica só na capital.  Fiscais do Ministério do Trabalho encontraram crianças em situação de vulnerabilidade em Paulistana, Sul do estado. O órgão realizou neste mês uma força-tarefa na cidade e flagrou 14 crianças trabalhando em postos de lavagem, sorveterias e churrascarias. Todos os estabelecimentos foram autuados e firmaram Termos de Ajustamento de Conduta (TCO) comprometendo-se a não mais utilizar mão de obra infantil.
Paulistana é a cidade no país com o maior número de crianças trabalhando, segundo o IBGE.
Polícia interdita circo que usava crianças na apresentação de danças eróticas  (Foto: Ellyo Teixeira/G1)
Em 2013, agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) flagraram crianças trabalhando de forma irregular em uma cerâmica no município de Carnaúbas, a 255 Km de Teresina, e sendo  obrigadas a fazer danças eróticas durante uma apresentação dentro de um circo na cidade de Monsenhor Gil, no Sul do estado. O caso foi denunciadocom exclusividade no G1 e na TV Clube(Vídeo e foto ao lado).Também no mesmo ano, crianças e adolescentes foram encontrados trabalhando no lixão de Parnaíba, Litoral do estado.
Na tentativa de coibir esta prática, a PRF montou o projeto Mapear para levantar os pontos vulneráveis a exploração sexual e trabalho infantil. “Flagramos rotineiramente vários menores em situação de risco nas rodovias. Somente no ano passado foram 16 ocorrências registradas e infelizmente nessas áreas mais distantes permitem que crianças estejam nesta condição”, declarou o inspetor Fabrício Loiola.

“Existe uma mistificação e um ciclo vicioso de que quanto mais cedo uma criança começar a trabalhar melhor será para a formação do caráter dela. Algumas famílias consideram isso como fator hereditário e importante para afastar as crianças e adolescentes da criminalidade, mas tudo não passa de falácia porque é obrigação dos pais sustentar seus filhos e cuidar para que eles tenham uma boa educação”, argumentou o procurador Edno Moura.
Allan Cruz começou a trabalhar com 12 anos de idade (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
Allan da Cruz, de 19 anos, é um destas crianças que foi obrigada a trabalhar desde cedo para ajudar nas despesas de casa. Desde aos 12 anos, ele ajuda a mãe que é cozinheira em um box do Shopping da Cidade. “Comecei acompanhar minha mãe desde os 6 anos porque não tinha com quem ficar enquanto ela trabalhava. No início eu ficava só olhando e brincando entre as panelas. Aos 12 comecei a entregar as quentinhas para a clientela e desde então não parei mais. Fiz e faço isso para poder ajudar nas despesas de casa, mas posso dizer que não soube o que foi infância e cheguei até ficar reprovado devido a falta de tempo para revisar as disciplinas vistas em sala de aula”, lembrou o jovem.

Combate ao Trabalho Infantil
Para o procurador Edno Carvalho, o combate ao trabalho infantil avançou nos últimos anos no Piauí, tanto que o estado diminuiu em mais de 30% os números de exploração de mão de obra infantil entre os anos de 2000 e 2010, mas segundo ele, é preciso alcançar voos mais altos.
Procurador diz que faltam políticas públicas para combater o trabalho infantil (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
“Faltam políticas públicas e articulação entre os órgãos porque até mesmo as instituições que são obrigadas a trabalhar no combate ao trabalho infantil não enxergam este problema. Como vamos combater algo que não vemos? O trabalho infantil existe e está aí pra todo mundo ver, mas não temos como fazer nada porque as pessoas não veem a problemática. O combate é um processo longo, mas se todos se unirem conseguiremos reduzir estas estatísticas”, ressaltou.

Movimento pela Paz na Periferia (MP3) muda vida de crianças em Teresina (Foto: Catarina Costa/G1)O conselheiro tutelar Djan Moreira acredita que a sociedade é conivente com o trabalho infantil e por isso as denúncias destes casos não chegam com frequência. Para ele, as ocorrências diminuiriam se existisse uma maior fiscalização do Ministério Público Estadual e do Trabalho.

“Para se ter uma ideia, ano passado recebemos apenas três denúncias, número bem abaixo do que é a nossa realidade. Nosso papel é encaminhar a situação ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e acompanhar se após a notificação dos responsáveis estas crianças estão indo para escola ao invés de estarem trabalhando”, explicou.

De acordo com o conselheiro, Teresina tem um grande índice de trabalho infantil, especialmente no ambiente doméstico, sinais de trânsito da Zona Sul e na lavagem de carros na Avenida Maranhão. “É uma situação triste, mas o problema maior é a desigualdade social. O estatuto é claro: menor de 14 anos trabalhando é configurado trabalho infantil e a partir desta faixa etária é permitida apenas na condição de aprendiz”, comentou.
Instituição muda a realidade
Criado nas praças das favelas de Teresina, o projeto Movimento pela Paz na Periferia (MP3) ganhou sede própria em agosto de 2004, no bairro São Pedro, Zona Sul da cidade. A ação social visa desenvolver trabalhos com jovens em situação risco e encaminhá-los ao mercado de trabalho.

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