31 de jul. de 2014

Humor atual perdeu a humanidade e o afeto, diz Gregorio Duvivier na Flip

Direto da Redação:

O poeta e ator Gregorio Duvivier, do canal de humor Porta dos Fundos, foi o destaque da primeira mesa efetivamente sobre literatura da 12ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), nesta quinta-feira (31). O comediante saiu ovacionado ao ler um texto contra os xingamentos dirigidos às mulheres, teve aprovação ao julgar que "o humor hoje em dia perdeu a humanidade, o afeto" e ganhou aplausos intensos ao citar uma crônica do próximo livro na qual traduz para o inglês (literalmente) expressões do português. "You know nothing, innocent" ("sabe de nada, inocente") era uma delas.
Charles Peixoto, Eliane Brum e Gregorio Duvivier em mesa da Flip nesta quinta (Foto: Flavio Moraes/G1)Ads by Amazon Mini Saver 1.1
Charles Peixoto, Eliane Brum e Gregorio Duvivier em mesa da Flip nesta quinta (Foto: Flavio Moraes/G1)

A mesa 1 da Flip teve outros dois participantes: a jornalista e escritora Eliane Brum e o poeta Charles Peixoto. Representante da poesia marginal dos anos 1970, Peixoto também é roteirista de TV. Escreveu textos dos seriados da TV Globo “Armação ilimitada”, “Malhação” e, mais recentemente, do remake de “O rebu”. A mediação do encontro foi de Miguel Conde, curador da Flip de 2012 e 2013.

Já em sua primeira intervenção, logo após Eliane Brum, Gregório conquistou a audiência na tenda dos autores. "Pra começar, é até difícil falar depois da Eliane. É meio humilhante, porque ele [mediador] fala: 'A Eliane está salvando o mundo, ganhou todos os prêmios de jornalismo, está ajudando populações ribeirinhas, e o Gregório – ele tem um canal de humor no YouTube", brincou. "É uma vergonha, estou com vergonha depois de estar aqui depois de você. Não, de verdade, parabéns, Eliane, sou muito seu fã."

Durante sua apresentação, a jornalista optou por ler um texto – sobre si mesma e a própria trajetória – escrito previamente. Durante cerca de dez minutos, pareceu emocionada ao dizer coisas como "a palavra escrita me salvou, me deu um corpo para viver, e não para morrer". Também se lembrou de uma garota de 11 anos que tinha doença de Chagas e foi personagem de uma matéria: "A morte respirava dentro dela".

Duvivier e Charles Peixoto, por outro lado, substituíram o drama e a sensibilidade declamada pelo tom cômico. O segundo chegou a dizer na abertura: "Estou um pouco nervoso, porque encarar essa multidão careta é duro". Ao falar da recepção polêmica, ou pouco amistosa, que a poesia marginal teve quatro décadas atrás, avaliou: "Os críticos eruditos diziam que a gente estava fazendo 'lixeratura' e 'amerdalhando' o panteão da literatura brasileira". Uma de suas leituras foi um poema que tinha um verso sobre "os cachos de David Luiz". Ganhou palmas.

Mas o favorito dos presentes, ao menos se o critério forem os risos provocados, foi mesmo Duvivier. Bastante disposto a citar a influência de Millôr Fernandes, homenageado na Flip 2014, ele opinou que "hoje em dia perdeu a humanidade, as pessoas confundem com galhofa, falta de educação, virou uma coisa sem afeto". Millôr, na sua visão, é o (bom) exemplo a ser seguido, já que "tinha a ver com poesia" e demonstrava "ingenuidade, apesar de ser cético e do cinismo".

Quando Miguel Conde perguntou ao ator se ele faz "poesia com o que ama e comédia com o que odeia", oconvidado concordou. "Adorei essa definição. Gostaria muito de fazer poesia com polícia militar, mas ela não me permite. Não me permite esse tipo de liberdade", completou. 

Falando especificamente sobre o Porta dos Fundos, apontou que o grupo não faz "nenhuma crítica nominal" nem menciona minorias. "A gente evita porque este é um momento em que o humor deixa de ser humor e vira agressão. A ternura é um ingrediente funalmental."

Já a defesa das mulheres foi tirada de um texto que vai estar em seu próximo livro, a ser publicado em novembro. A crônica, publicada em janeiro no jornal "Folha de S.Paulo", do qual Duvivier é colunista, começa com uma lista de xingamentos: "puta, piranha, vadia, vagabunda, quenga, rameira, devassa, rapariga, biscate e perigute...". A ideia era demosntrar que, para ofender as mulheres, usam-se palavras que apelam a um suposto comportamento sexual condenável. 

Para provar o argumento, o autotr contou que, por discordar de uma certa medida da presidente, alguém pode dizer: "Brother, essa Dilma é uma piranha!". "Nunca vi ninguém dizendo que o Lula é feio: 'O Lula foi um bom presidente, mas no segundo mandato embarangou'." Em tom bem humorado, observou que "até quando a gente quer bater no homem, é na mulher que a gente bate".

Em outro trecho, falou que "o xingamento mais universal do mundo é o que diz: 'sua mãe vende o corpo". "A mulher nem sempre tem culpa", finalizou. Foi a passagem mais aplaudida de todo o debate, que se chamava "Prosa & Poesia", mas viu sobressair o humor.

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